
Para refletir sobre o título deste boletim, vimos como necessário apresentar uma síntese de dados apresentados pela instituição de onde este Observatório advém, a Universidade Federal do Maranhão. Abordar este assunto neste boletim é importante porque faz uma reflexão sobre a formação do trabalhador.

Ao observar os dados referentes à trajetória de estudantes com deficiência na Universidade Federal do Maranhão, o que inicialmente poderia ser apenas um gráfico se transforma em um retrato contundente das contradições que ainda estruturam o acesso e, principalmente, a permanência no ensino superior. O volume de estudantes que ingressam cresce visivelmente a partir de 2015, ano de promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, mas essa ampliação não se converte, de forma proporcional, em conclusões de curso. É justamente nessa lacuna, entre entrar e conseguir permanecer, que emerge a pergunta central: que condições reais são oferecidas para que esses estudantes cheguem ao diploma?
A análise revela que, embora os números indiquem um avanço inicial, há também picos de cancelamentos e desligamentos, especialmente entre 2016 e 2019, período em que os desligamentos chegam a ultrapassar, em diversos anos, o número de conclusões. Esse dado evidencia que a política de ingresso, ainda que fundamental, não é suficiente quando a instituição não estrutura condições de permanência compatíveis com as necessidades dos estudantes. Essa constatação ecoa diretamente o alerta feito por Aleska Trindade Lima e Maria Andréa Angelotti Carmo (2023)
A inclusão não se sustenta apenas pela abertura de vagas, mas pelo reconhecimento de que as barreiras pedagógicas, estruturais e sociais persistem silenciosamente dentro da universidade, atingindo a permanência muito antes do ponto final do curso.
Quando observamos que, em vários anos, as barras de cancelamento ultrapassam em muito as conclusões, fica evidente que o problema não é individual, não é falta de “esforço” ou de “adaptação do aluno”, mas falha institucional. Tal crítica é reforçada por Pereira, Bizelli e Leite (2015) ao apontarem que as universidades ainda tratam a deficiência como uma questão periférica na política de gestão, e não como parte estruturante da comunidade acadêmica. Isso explica por que tantos estudantes conseguem entrar, mas não encontram suporte contínuo — seja em termos de acessibilidade pedagógica, de recursos humanos especializados, ou mesmo de uma cultura universitária preparada para acolher diferenças e demandas específicas.
Os dados também sugerem um impacto direto da pandemia de Covid-19. A partir de 2020, observa-se uma queda abrupta tanto nas conclusões quanto nos desligamentos — um possível reflexo das dificuldades de acesso às aulas remotas. Para muitos estudantes com deficiência, especialmente surdos, cegos e pessoas com deficiência intelectual, a migração para o ensino remoto representou um desafio quase intransponível. Como participar de aulas pelo Google Meet se não havia garantia de intérpretes, legendas, materiais acessíveis ou plataformas compatíveis com leitores de tela? Essa pergunta não é retórica; ela evidencia a desigualdade digital e pedagógica que atravessou — e ainda atravessa — a trajetória desses estudantes. É um lembrete de que a acessibilidade digital não é uma “extensão” da acessibilidade física, mas uma dimensão igualmente estruturante, como alerta Siems-Marcondes e Oliveira (2019) ao demonstrar que a permanência só é possível quando todos os ambientes educativos, presenciais ou virtuais, se tornam acessíveis.
Outro aspecto que o gráfico não mostra, mas que se impõe na análise, é que os dados se referem apenas ao campus da capital. Isso abre uma interrogação ainda mais profunda: se na capital, onde teoricamente há mais estrutura, o cenário já apresenta tantas fragilidades, como terão sido as experiências nos demais campi? A ausência de dados sobre essas realidades revela mais uma camada de invisibilidade, um silêncio estatístico que também é político.
Assim, ao revisitar essas informações, torna-se impossível não retomar a questão que motivou esta reflexão: que formação estamos, de fato, oferecendo aos estudantes com deficiência? O gráfico com suas barras que sobem, desordenam-se e depois despencam, não oferece respostas simples. Mas ele explicita a urgência de discutir permanência de forma séria, comprometida e estruturante. Isso passa por ouvir as narrativas dos estudantes, como defendem os três estudos mencionados, mas também por transformar essas narrativas em ação institucional, em política pública e em práticas pedagógicas que não sejam pontuais, mas permanentes.
Não há respostas prontas e talvez justamente por isso seja tão necessário continuar problematizando. A universidade pública só cumpre sua função social quando garante não apenas o acesso, mas também a possibilidade concreta de que cada pessoa, com suas singularidades, conclua seu percurso formativo com dignidade. E, olhando para esse gráfico, fica evidente que ainda estamos longe desse ponto.
Também é importante refletir a respeito do impacto da pandemia de Covid-19 no acesso de pessoas com deficiência à Educação. Como devem ter ficado os alunos surdos, por exemplo, tendo que assistir às aulas via Google Meet? Será que intérpretes de Libras estavam disponíveis em toda aula? Em que condições? A falta de recursos digitais apropriados no ambiente virtual também pode ter sido um sério problema no acesso às aulas, o que mostra fatores diversos que atravessam o contexto dessas pessoas.
Por fim, evidenciamos que os dados apresentados são referentes apenas ao campus localizado na capital do estado. Daí fica outra questão: como foi esse período então para alunos em outros campi?
Aproveitando a discussão sobre uma instituição pública de ensino, consultamos também a Universidade Estadual do Maranhão para buscar os dados sobre a inclusão de alunos com deficiência.
Recebemos as informações por meio do Núcleo de Acessibilidade da UFMA que evidenciou o aumento na quantidade de alunos atendidos, porém só apresentou os dados dos alunos que se formaram até 2019.

O aumento na quantidades de alunos atendidos é expressivo e mostra que o ingresso no ensino superior segue em amplo crescimento, mas, como já discutido aqui, é necessário pensar se há condições reais para que esse aluno consiga concluir seu curso.
São muitas questões a pensar e mais ainda a ser feito. Quer falar sobre o assunto? Acompanhe o Observatório de Inclusão e Economia clicando aqui e participe das nossas discussões.
Texto de Victória Larissa Santos Chaves e Sâmia Cristina Martins Silva.

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